De Coração à Coração
Trecho de Jean-Luc Ayoun
9 de dezembro de 2023
TESTEMUNHO
"Não há nada a que se
agarrar".
Irmã: Não há nada a que me
agarrar, tudo se torna inconsistente, é como fazer luto por tudo, e às vezes
sinto-me triste com isso. Já não há nada, nem ninguém e, no entanto, uma parte
de mim não consegue largar. Podia imaginá-lo como a última cena do filme
"O Grande Azul". Sinto-me como se estivesse sendo sugada para o
desconhecido pelo grande Silêncio, e uma parte de mim permanece, não quer largar
a corrimão, um medo, penso eu. E, no entanto, já não sinto qualquer atração por
este sonho, tudo me parece vazio, até estas palavras através das quais não
consigo transcrever a profundidade do que vivo no meu interior. Sim, como você
diz, o poder total, onde só a aceitação e o acolhimento são a fonte do bem e do
conforto.
JLA: Sim, este testemunho é
completamente real. Como Omraam disse, tivemos que vomitar o mundo, vomitar a
criação, e também pôr fim a qualquer esperança de melhoria. Isto é um pré-requisito
e, ao mesmo tempo, é o que acompanha o início da instalação do grande Silêncio.
Mas depois disso, restam duas
coisas, efetivamente uma forma de indiferença, mas ao mesmo tempo um sentido de
grande humildade e responsabilidade. É mais do que uma aceitação, é uma, como
hei de encontrar a palavra certa, é como uma forma de evidência e de
inelutabilidade do que é. Nessa altura, como eu disse, tornamo-nos lúcidos e
cada vez mais dentro da claridade, da lucidez e da clareza de que é tudo um
filme, um mau filme.
Não estamos falando aqui da
exuberância da manifestação de Ágape, mas sim da evidência do grande Silêncio.
Nesta altura, o desespero também diminui, a esperança desapareceu há muito
tempo, e ficamos num estado de acolhimento, vivendo a aceitação das nossas
próprias emoções e pensamentos como inelutáveis. Eles ainda estão lá, mas já
não estamos mais sujeitos a eles de forma alguma.
E por outro lado constatamos
muito facilmente que a aceitação dos nossos próprios pensamentos, das nossas
próprias emoções, permite-nos passar por eles e deixar que eles passem por nós
sem lhes dar qualquer importância. Assim, o desespero dá lugar a uma grande
indiferença. E penso que só nessa altura é que aceitamos absolutamente tudo.
Qualquer que seja a raiva, a emoção ou os pensamentos que surjam, há uma
aceitação total de que tudo acabou, de que tudo é apenas um sonho que passa, um
pesadelo que passa.
E como eu disse na primeira
parte, é aí que reside a verdadeira liberdade, não antes. Isso permite que
vocês sejam ainda mais lúcidos e ainda mais presentes a vocês mesmos, e
presentes ao que acontece. Mas, paradoxalmente, é neste momento que vocês estão
vivos, totalmente vivos. Isso não os impede absolutamente de agir e de viver,
mas estão lúcidos, quaisquer que sejam seus pensamentos, quaisquer que sejam
suas emoções.
Vocês ainda podem ter
atividades, aliás, elas continuam muito presentes e vocês estão finalmente
nesse momento, concretamente. À época, utilizávamos a expressão "fluidez
da Unidade". É algo que nasce em vocês, mas como dizia a nossa irmã, é
preciso ter esgotado todas as esperanças e desesperos que estão presentes em
nós.
Mais uma vez, não podemos
descrever isto perfeitamente. Mas quando o vivemos, sabemos que o estamos
vivendo. Nesse momento, há uma certeza absoluta sobre quem somos e uma
incerteza total sobre o que o amanhã nos trará. Neste momento, como dizia Bidi,
já não há mais o que buscar, já não há mais busca, já não há mais buscadores,
já não há mais ninguém realmente e concretamente.
Não se pode dizer que é a
alegria do Instante Presente, não se pode dizer que é uma ressonância ou um
estado Ágape, mas pode-se ter a certeza de que isto é o Real. Mas isso é uma
certeza, mais total. Ao mesmo tempo, como estou tentando traduzir, é um estado
de total certeza sobre o que somos, mas de total incerteza sobre o desenrolar
do tempo e do cenário.
Sabemos onde termina o cenário,
mas cada momento é uma surpresa. É justamente o fato de estarmos fora do tempo
e do espaço que faz com que nenhuma memória possa nos pegar, por assim dizer,
seja ela cármica, habitual ou comportamental. Nesse momento, estamos
verdadeiramente numa espécie de Vacuidade. Este vazio é um pré-requisito para o
grande Vazio que todos nós temos de viver, é claro que todos juntos, a um certo
momento.
A equipe de transcrição
***
Tradução: Marina Marino
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